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Pina Bausch nunca morre

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Quando eu era pequena, todas as minhas amigas faziam balé. Claro, isso é mesmo unanimidade na infância. Menina sonha em se vestir de rosa, subir na sapatilha e dançar leve, leve — apesar de todo esforço e pressão. Eu não me identificava com isso; era da turma da natação, gostava de patinar com a vizinha, de tocar piano, violão e de cantar. Palco, pra mim, era ou pra música ou pra teatro — minha paixão (até hoje, só como espectadora mesmo). Ainda assim, ia a todas as apresentações de balé das amigas. Achava bonita a dança e o som que embalava os tutus, mas nada atraía tão profundamente. Pena que Pina só apareceu mais tarde na minha vida!

Retrato de Pina Bausch

Retrato de Pina Bausch

Pensei nisso quando saí do cinema, dia desses. Dos dois filmes sobre Pina Bausch que estão em cartaz, assisti ao documentário do Wim Wenders. Lembrei por que me apaixonei pela coreógrafa, cinco anos atrás, quando eu estava morando na Alemanha: os bailarinos de Pina interagiam com o público. Retratavam uma emoção profunda. Arrepiavam — como no teatro! Não cheguei a ver ao vivo… Mas, mesmo de longe, tudo com Pina ficava (e ainda fica) mais real.

Bailarina do Tanztheater Wuppertal Pina Bausch em cena do documentário de Wim Wenders

Curioso foi ver a sala do cinema vazia. “Não é que o pessoal não se interessa, simplesmente não a conhece”, disse um moço sentado perto de mim. Estranho. Uma pessoa que ajudou a mudar o conceito da dança; contaminou tantos profissionais pelo mundo; fez sempre um trabalho sobretudo humano, diferente do que estava em pauta; e que morreu noutro dia, há só três anos é, mesmo assim, tão desconhecida do grande público. Resolvi, então, pesquisar um pouco mais sobre o universo da Pina. Conversei com gente que fala com propriedade sobre o assunto, li algumas entrevistas, reportagens, obituários; tudo pra contar por aqui um pouco sobre sua obra.

Pina (1940-2009) nasceu Philippine Bausch, em Solingen, uma cidadezinha alemã. Adotou o balé aos 14 anos e teve professores renomados, como Kurt Jooss, seu conterrâneo, e Antony Tudor, quando estudou em Nova Iorque — ambos essenciais para sua formação. Em 1973, ela assumiu uma companhia de dança em Wuppertal, próxima de sua terra natal. Batizou a trupe de Tanztheater Wuppertal (Dança-teatro de Wuppertal, na tradução), nome pelo qual ficou conhecido um estilo de dança que já existia, mas que foi Pina quem dominou. “Ela fazia a dança de forma teatral para produzir reflexões sobre a vida”, me contou a crítica de dança Helena Katz.

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Pina criava personagens para transmitir imagens e sentimentos humanos de um jeito muito peculiar. Para ela, nada era literal. O amor não se mostrava bonito no sentido convencional; a tristeza não era simplesmente triste. “Café Muller” (1978), um de seus trabalhos mais importantes, retrata uma cafeteria obscura, onde pessoas afastam cadeiras para poder caminhar ao encontro de outras, porém não conseguem se tocar. Pina usou esse recurso para comentar aquilo que tinha se tornado rotina no mundo: “Ninguém sabe por que se movimenta. Tudo se tornou uma estranha espécie de vaidade que faz as pessoas se afastarem. Eu acho que deveríamos estar cada vez mais perto um do outro”, disse ela.

Cena de "Café Muller", durante apresentação no Brasil em 2009

Não foi logo de cara que a sensibilidade de Pina tocou o público. No início, as pessoas abandonavam o teatro no meio do espetáculo. Em 1980, quando esteve no Brasil, Pina foi responsável pelo esvaziamento de plateias inteiras — restavam apenas cinco ou seis gatos pingados. Era desconfortável encarar reproduções tão poderosas dos aspectos humanos, fossem eles sombrios ou iluminados.

Mais tarde, no entanto, a zona de desconforto criada por Pina se tornou um traço cultural muito transmitido; Pina virou um “meme”, quase um vírus do bem. Ela morreu cedo, aos 68 anos, poucos dias depois de ser diagnosticada com câncer, e, até hoje, em diversas partes do mundo — inclusive por aqui —, há coreógrafos que fazem e dão continuidade à sua dança-teatro.

Eu também criei gosto pela coisa. Não entrei nas aulas de balé, mas comecei a acreditar que a dança, em cima ou longe dos palcos, é essencial. Como diria Pina: “Dance, dance; senão estaremos perdidos”.

[O filme de Wim Wenders de que falei (e que, aliás, é tão sensitivo como o trabalho de Pina) tem lembranças especiais do Brasil — muito para mostrar a paixão da coreógrafa pela diversidade do mundo. As cenas em que estão presentes tais lembranças foram reunidas numa coletânea pequenininha, aqui em baixo. Vale a pena assistir e se deixar contaminar por Pina:]


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